julho 25, 2013

Refn não perdoa

Após ver aquele que será com certeza dos melhores filmes do ano, não consigo perceber a razão que motivou a indignação daqueles que assistiram à estreia do filme em Cannes. Talvez seja uma questão de ingenuidade da minha parte, mas se é verdade que Only God Forgives pode ser caracterizado pela violência, será ele mais violento do que qualquer outro filme de Tarantino, por exemplo? Certo é que neste, a opção pela deriva revivalista dos géneros ‘b’, faz com que aligeire a violência com os maneirismos próprios da história que conta. Já em Refn tudo é sério, sério demais para não ser levado a sério, o que já faz dele um caso que está longe de ser tomado como unânime à crítica, daí motivar divergentes opiniões que irão com certeza da perfeita veneração à mais profunda repulsa. Ainda assim e reconhecendo a dureza com que Refn nos confronta num todo formal violento e real, parece-me que indignação será sempre uma reação algo exagerada. Prefiro a veneração.
Será com certeza à custa da personagem de Ryan Gosling que é inevitável a comparação com Drive. À luz de Gosling, pode-se dizer até que este filme é uma espécie de Drive à tailandesa, mas Drive era no sentido lato mais romântico e digerível na sua premissa para além de ser esteticamente mais comedido. Neste Only God Forgives, Refn vai às profundezas do culto humano, penetra no lugar underground dos sentimentos mais crus e exibe todo o esplendor visual soturno de uma cidade do pecado entregue à divina justiça dos homens. Ao ritmo das músicas que representam na perfeição o temor e a contradição sobre o crime, Only God Forgives revela ser um monumento gigante, um monumento vivo de silêncios cheios, espaços densos e cores hipnotizantes oferecidas em câmara lenta e que através do primor da capacidade do realizador conseguem reflectir todos os acontecimentos incluindo aqueles que não cabem na narrativa.
Tão comum mas já tão longe de Drive, é também a orientalidade deste filme que dá-lhe o Tempo, oferece-lhe o paradoxo, incute o certo brilho sombrio na trajectória suja para o precipício, a verticalidade da sexualidade incapaz, o complexo maternal e o valor da família ou a escolha da amputação material para a aquisição dos sentidos. Only God Forgives é um desafio que não se diz e que nos deixa à margem e simultaneamente por dentro, livres e entregues às sensações múltiplas e à fórmula que permite o juízo dos justos e injustos num mundo sem perdão e que deus parece ter deixado ao abandono. 


julho 22, 2013

2 x 3 x 7 não são 42

É curioso ver que mais do que sensibilizar os espectadores para uma agenda oculta presente no filme The Shining, o documentário Room 237 - pelo absurdo das teorias apresentadas e de como são "provadas" - acaba por chamar a atenção única e exclusivamente para alguns erros de continuidade que afinal são comuns a todos os filmes, mas que aqui tendem a ser mostrados como tencionais e propositados. Nada mais retenho deste documentário, a par de uma ou outra curiosidade que poderá ter fundamento, como por exemplo, a possível provocação de Kubrick a Stephen King com a cor do carro, ou ainda a ideia de que o filme pode ser visto de trás para a frente com a respectiva sobreposição sobre a projecção normal do filme que é interessante mas que valerá mais pela piada que certas coincidências desses planos sobrepostos podem mostrar.
Admito que Kubrick é terreno fértil para diversas interpretações, tal como uma obra de arte que está sujeita à crítica subjectiva, mas neste caso em particular os fundamentalistas da conspiração não deverão ter sido alheios ao facto de a seguir às filmagens de Barry Lyndon o realizador ter supostamente entrado em contacto com profissionais da publicidade e marketing com especialidade na inclusão de mensagens subliminares nos seus produtos. Poderá ter sido aqui o ponto de partida para a especulação. Como artista da imagem e especialista supremo na arte de filmar, concedo que nada do que é visto nos filmes de Kubrick é feito ao acaso, mas daí a fazer-se a correspondência simbólica com o Holocausto, a missão Apollo ou o genocídio dos povos indígenas dos Estados Unidos já me parece algo rebuscado demais.
Assumindo o certo mistério que há em Kubrick, há que dizer, por paradoxal que pareça, que a decifração dos seus códigos não se pode resumir à aritmética mais ou menos elaborada daqueles que procuram na multiplicação das partes a soma de uma verdade lunática sobre a sua obra.

julho 14, 2013

De Palma a Passion

Passion tem coisas muito interessantes. Embora ligeiramente perverso esperava mais erotismo e sadismo sexual, mas talvez isso seja reflexo de um desejo praticamente inconfessável que eu tenho para mim, mas que foi provocado desde logo pela primeira cena. Não é que a inclusão de uma componente ainda mais sexual fosse acrescentar algo de mais extraordinário ao filme, mas é um facto que o apelo sexual que é lançado por Rachel McAdams suscita logo o desejo em vermos materializada em sexo aquela tensão que, com o evoluir do filme vemos, mais não é do que objecto de manipulação num mundo mais do que material roçando mesmo a obscenidade dados os princípios que estão aqui em causa. E esta provocação sexual não é um pormenor. Sendo a ambição profissional o que move as personagens, ela manifesta-se através da chantagem sexual que torna-se como que adjectivo central da história. E isto claro que leva à acentuada perversão da personalidade protagonizada por Noomi Rapace que se vê envolvida num emaranhado de desejos materializados nos seus sonhos e que se vão misturando com a realidade num processo de vertigem e indecisão da verdade de um crime anunciado e materializado por entre as sombras.

Brian De Palma faz aqui mais um filme diferente que merece ser olhado com atenção, embora inevitavelmente sujeito a critica. A aparente falta de profundidade no desenrolar da história e também alguma falta de dimensão às personagens não é mais do que o suporte certo para a representação de um determinado interior obsessivo do ser humano capaz de tudo em situações de crise. E a deriva pela singularidade de De Palma neste Passion faz-se sobretudo pela forma como está construída a segunda metade do filme, em que são claras as influências do noir americano ao giallo italiano, o que faz prova deste filme como um sinal de vitalidade de um grande realizador que não desiste de fazer algo inovador.

julho 07, 2013

A família Stoker

Talvez pelas exigências profissionais que me obrigam a uma certa organização do conteúdo de cinema, tenho o hábito da catalogação e classificação dos filmes que vejo. A classificação que faço daquilo que vejo, reservo para o foro privado servindo sobretudo para a minha memória futura e confesso que dos meus dez melhores filmes não entra nenhum da década de 90 ou do novo milénio e isso, se por um lado, pode traduzir uma certa resistência ao que de novo se faz face ao antigo, por outro lado, penso que vai ao encontro daquilo que entendo como a decadência das ideias ou a decadência na forma como se filma o filme. Não quero com isto negar que se faz bom cinema nos dias hoje. Apesar dessa decadência generalizada há excepções notáveis mas que, no entanto, o tempo lá dará o devido crédito, tal como muito provavelmente eu o farei, ainda mais do que o faço actualmente, preservando a minha coerência quase formal, mas de acordo com a minha actualidade perfeitamente justa, em integrar nas minhas preferências filmes com mais de 25 anos.
Desta forma, quando dou de caras com um filme que rompe a regra da mediocridade não consigo esconder a excitação e o entusiasmo. Stoker não será um filme para entrar no tal top 10 da minha vida, talvez por lhe faltar ainda o tempo para isso, mas é sem dúvida do melhor que vi nos últimos tempos. Intenso e genial na maneira de contar a trama, uma representação soberba de Mia Wasikowska, com a super-estrela Nicole Kidman também muito bem, quase como sempre. Esta é uma história familiar de crime e de paixões proibidas, de silêncios ocultos e memórias incertas, segredos inconfessáveis e revelações macabras. Mas para além de contar histórias o cinema serve também para mostrá-las e aqui cada plano é configurado à luz de uma estética brilhante que é construída em forma de requintes e pormenores perturbadores que são servidos pelas personagens principais, o que já é uma imagem de marca do realizador Chan-wook Park.