fevereiro 17, 2015

Os relógios que Jodorowsky perdeu eram aqueles que Dali via na areia

O filme Duna, tal como projectado e idealizado por Jodorowsky, foi o maior filme de todos os tempos sem no entanto nunca ter visto a luz do dia. Mas a verdade é que é na escuridão que a grandeza se move e é nas grandes inexistências da história que se definem as maiores certezas. Leva-nos a perguntar quantos projectos não terão ficado na gaveta dos grandes estúdios por motivos secundários à própria criação ou arte...
Talvez o fracasso de traduzir em matéria a ideia conceptual e espiritual de Duna represente aqueles que são os verdadeiros limites do cinema. Através do exemplo de Duna, chegamos à conclusão de que a expressão do intelecto, a que chamamos arte, mais não é do que o produto do possível e que está tremendamente condicionado pelo pensamento dominante e politicamente correto. Mas não só. Pôr em prática um projecto como o de Duna, mantendo-o da maneira e fiel à visão inicial de Jodorowsky, é uma coisa tão maravilhosamente irrealista como querer abolir a fome e a guerra do mundo. É possível idealizá-lo mas difícil de implementar. O problema é sempre o mesmo, o de que é o Homem, com as suas virtudes e defeitos, que está responsável por pôr em prática os seus sonhos e é durante essa tentativa de concretização que se vê confrontado com os seus demónios e fantasmas que mais não são do que fruto da sua racionalidade. Claro que esta condição nunca será impeditiva para o ser humano sonhar que foi o que Jodorowsky fez, sonhou surrealiazando de forma possivelmente tangível. Seria mesmo ele capaz de o fazer..? No fundo, ele queria fazer uma coisa muito simples, queria fazer o maior filme de todos os tempos, juntando à sua volta as pessoas mais talentosas e geniais do mundo, os tais guerreiros espirituais oriundos de vários quadrantes artísticos, para pôr em prática o mais ambicioso dos projectos e a verdade é que conseguiu chegar a eles e convencê-los disso, que eram guerreiros da História. Um Dali Imperador, Welles como barão, Jagger ou Gloria Swanson como umas divas a compor o set, desenhado por Giger e Moebius, escrito por O'Bannon e os Magma e os Pink Floyd a tornar tudo numa loucura psicadélica... com certeza o mais grandioso e audaz filme de todos.
Ficaremos sempre com a dúvida sobre que resultado final teríamos se Hollywood estivesse disposta a pagar um filme de vinte horas, mas uma coisa sabemos e que ficou provada nos anos seguintes: a de que Jodorowsky contribuiu decisivamente para abrir mentalidades e alargar os horizontes da ficção cientifica. Não ter sido feito este filme fez com que os outros todos se fizessem em seguida, com certeza com uma maior dose de pragmatismo e realismo, mas que sem a centelha de genialidade visionária de Jodorowsky não teriam sido a mesma coisa.


janeiro 23, 2015

Os amantes da ponte nova

Tão puros são os silêncios e as danças na ponte, cada maldade posta na parte de quem sofre na cidade. Tomara tudo ser tão lúcido como a noite em que na escuridão os espelhos correm no rio e os fogos na claridade espalham um pouco do deslumbre de outros tempos.
Amar é um descontrolo sem fronteiras nem horizonte mesmo quando se incendeiam as paredes com o teu nome. Toda a libertação e a desgraça dos amantes, todo o desapego cruel das formas comuns de amar, toda a timidez e a euforia do amor, num filme apenas.