fevereiro 12, 2013

A exumação de Tarantino


Se lermos a história do cinema, vemos rapidamente que os grandes mestres são aqueles que de alguma forma revolucionaram a sua arte com recurso aos meios que dispunham e ao trabalho do seu próprio génio. Bem sabemos que é cedo para escrever a história que vivemos e que só o tempo fará devida justiça aos actuais, chamemos-lhes, revolucionários. Contudo, há que ultrapassar certos estigmas face ao contemporâneo e apercebermo-nos que a divindade não é exclusiva do preto e branco. O tempo esse também será o melhor conselheiro para fazer a distinção do trigo e do joio.

Mas Tarantino é com certeza um dos casos que ficará para a história. Django Libertado mostra mais uma vez que Tarantino é dos mais vanguardistas cineastas do seu tempo. Apesar de reaproveitar muitos dos clichés de géneros “b” (o que a principio poderia conferir-lhe alguma falta de originalidade), quer no último filme, quer em Sacanas sem Lei, ele não teve medo de pegar na História e reescrevê-la com uma boa dose de surrealismo vendetta, à boa maneira dos clássicos. Por isso, os dois últimos filmes são diferentes do resto. E para além do mais, a verdade é que todo o cinema é fruto de um passado e Tarantino não nega isso e orgulha-se desse passado, homenageando assim o cinema velho fazendo novo cinema de uma forma que está ao alcance de muito poucos. Se em tempos houve um Hitchcock que revolucionou o cinema influenciando daí para a frente todos os géneros, desde o romance, thriller ao terror, Tarantino veio trazer também algo de novo ao cinema. Ele veio reinventar a forma como se contam histórias, através de aprimorado trabalho de actor, construção de personagens e originalidade no argumento.

É verdade que este último filme torna-se ainda mais especial devido ao facto de Tarantino centrar o móbil da acção no contexto da escravatura americana, acontecimento bem real e ainda bem vivo na sociedade americana. Ele sabe que a escravatura é ferida por sarar e porventura ele saberia dos riscos que corria, mas se surgiram criticas sugerindo algum desapego ao sofrimento do povo afro-americano, essas criticas não têm qualquer razão de ser, uma vez que, pelo contrário, e se vermos bem, o herói é o negro e o ignorante é o branco que escravizou o negro num contexto muito particular e muito bruto. E ao longo do filme, há vários detalhes que corroboram esta visão ignorante e labrega do branco. Pegar na brutalidade e na linguagem usada contra o outro para refutar qualquer ideia de que o realizador pretendia denegrir a luta dos negros na américa ou que, pelo excesso de acção sangrenta, o filme poderá representar uma má influência para a sociedade americana, é pura fantasia ruidosa para fazer desviar a atenção daquilo que verdadeiramente importa. E neste ponto, o que importa aqui dizer é que, sem qualquer intenção declarada de politizar ou moralizar a sociedade americana, subtilmente e simultaneamente com muita violência e comédia à mistura e, já agora, muita ficção, ele disse-nos o quão nós somos capazes de ser infames, pois não se pense que a indignidade acabou com a escravatura. E o que importa aqui, e aquilo que no fundo é o mais simples, é que foi feito mais um filme que fica para a história contar.
Tarantino acerta sempre e nós nunca nos esquecemos.

1 comentário:

  1. Concordo plenamente. Um realizador que deixa uma marca cada vez maior na história do cinema. Não tem medo de arriscar e reescreve uma história que muitos indicariam como "intocável". É de facto um realizador que começo a apreciar cada vez mais.

    Cumprimentos,
    Rafael Santos
    Memento mori

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