fevereiro 28, 2014

Uma grande beleza

É bela a ideia de ver deitado o mar no embarque para a história. Durante mais de duas horas fui romano ou como Jep um mundano, rei da mundanidade. Que sonho é este o da mundanidade? Haverá pois na decadência da sociedade o melhor poema ou quadro que se possa fazer. Haverá sempre no beco mais sujo o mais perfeito cruzamento com a memória, esse espelho de reflexos que um dia couberam no tempo passado e que eternamente resistem à passagem. Haverá sim na degradação da expressão intelectual uma fonte inesgotável de palavras ocas que gritam aos sítios por uma revolta. Haverá nesta selva selvagem de ruínas as penumbras capazes de nos salvarem. Jep deambula por entre os espaços como se fosse um morto-vivo, como se pairasse trazendo o último julgamento da humanidade por mais cruel que esse seja. Jep percorre tudo, tão vivo e tão morto em toda a sua mobilidade como as obras primas revisitadas e cheias de imortalidade. Roma será certamente uma das derradeiras cidades simultâneas em todo o mundo, onde a história imutável cruza-se todos os dias com a volátil mundanidade que dirão decadente mas que é, por outro lado, inevitavelmente libertadora por clarificar o desígnio da actualidade, mesmo se tal conclusão remeter para uma profunda desilusão e desespero. Cada plano traz no focus da sombra de todas as pessoas uma melancolia plena cheia de presunção não mais do que plástica e por nada inocente na sua composição. A Grande Beleza, uma das peças contemporâneas mais completas da arte do filme enquanto produto de uma filmagem, de uma visão erudita e rupestre também, cheia de espírito e estilo europeu que no seu decorrer acaba por fazer uma inteligente critica aos dilemas e contrastes da sociedade deste tempo.

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