junho 21, 2013

A procura pelo homem morto


Pese embora vivamos tempos em que a criatividade parece estar refém do puro imediatismo dos fenómenos virais ou que um maior profissionalismo do trabalho do génio dependa cada vez mais do lobby que se faça junto das elites da cultura, é um facto que a arte, enquanto manifestação livre da intelectualidade do homem, é o único instrumento capaz de se impor ao mundo e contrariar aquilo que é dado como estabelecido. Foi isso que aconteceu com a revolução cultural dos Estados Unidos nos anos 60 e foi fundamentalmente através da música que se deu uma alteração na forma como se via o mundo das ideias, facto que viria a influenciar as futuras gerações.
Essa ideia da arte como poder único de transformação de uma sociedade está presente na forma como a música de Sixto Rodriguez teve impacto na África do Sul e este caso em particular tem contornos muito especiais. Aconteceu que, sem qualquer tipo de intervenção do criador, que limitou-se a fazer o seu trabalho sem esperar retorno, ainda para mais de um sitio do outro lado do mundo, os sul-africanos da Cidade do Cabo, motivados por circunstancias politicas e sociais adversas, adoptaram-no como seu herói sem o conhecer, tendo apenas uma imagem de capa de álbum de Rodriguez feito profeta para admirar e bastando apenas as suas palavras e a sua música para encontrarem conforto e inspiração. E para mim é aí que reside o verdadeiro significado e poder da arte, ou seja, o dar sem procurar receber nada em troca, tal o amor.
Já nos Estados Unidos, poderá ter havido uma altura em que algo falhou no trajecto de Rodriguez para que ele não fosse justamente integrado no circuito daqueles que mudaram aquele nosso mundo, mas ao ver este filme apercebemo-nos que Rodriguez não vive amargurado ou frustrado com o passado. Ele foi o artista que quis ser e aquilo que achava que podia ser. Aliás, a forma como é encarado o sucesso na África do Sul é sintomático da forma inocente como olha a sua arte e das escolhas que fez preferindo fazer parte da working class hero que Lennon disse, mas que Rodriguez fez.
Assumindo que os 60 americanos corresponderam a uma altura da história que foi propicia à formação de uma cultura popular mais genuína do que aquela que vivemos actualmente, o caso de Rodriguez vem dizer que nem tudo correu bem e que mesmo nessa altura existiram pessoas que por razões de exclusão ou preconceito não foram tidas em conta, tal como acontece nos dias de hoje. Também não deixa de ser interessante que, da mesma forma que a informação serve para promover uma cultura de mediocridade, a mesma informação serve também para salvar a cultura e transformar o trabalho anónimo num fenómeno planetário capaz de, neste caso em particular, dar a Rodriguez a referência que agora julgamos como merecida. E é aqui que o cinema entrou com este filme Searching for Sugar Man que, não sendo muito complexo na tentativa de explorar mais as razões pelas quais a super-estrela Rodriguez nunca chegou a nascer, ajudou a compreender que não foi por Rodriguez ter estado morto que deixou de viver.

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