Após ver aquele que será com
certeza dos melhores filmes do ano, não consigo perceber a razão que motivou a
indignação daqueles que assistiram à estreia do filme em Cannes. Talvez seja uma questão de ingenuidade da minha parte, mas se é verdade que Only God
Forgives pode ser caracterizado pela violência, será ele mais violento do que
qualquer outro filme de Tarantino, por exemplo? Certo é que neste, a
opção pela deriva revivalista dos géneros ‘b’, faz com que aligeire a violência
com os maneirismos próprios da história que conta. Já em Refn tudo é sério, sério
demais para não ser levado a sério, o que já faz dele um caso que está longe de
ser tomado como unânime à crítica, daí motivar divergentes opiniões que irão
com certeza da perfeita veneração à mais profunda repulsa. Ainda assim e reconhecendo a dureza com que Refn nos confronta num todo formal violento e real, parece-me que indignação será sempre uma reação algo exagerada.
Prefiro a veneração.
Será com certeza à custa da
personagem de Ryan Gosling que é inevitável a comparação com Drive. À luz de
Gosling, pode-se dizer até que este filme é uma espécie de Drive à tailandesa,
mas Drive era no sentido lato mais romântico e digerível na sua premissa para além de ser esteticamente
mais comedido. Neste Only God Forgives, Refn vai às profundezas do culto humano,
penetra no lugar underground dos sentimentos mais crus e exibe todo o esplendor
visual soturno de uma cidade do pecado entregue à divina justiça dos
homens. Ao ritmo das músicas que representam na perfeição o temor e a
contradição sobre o crime, Only God Forgives revela ser um monumento gigante,
um monumento vivo de silêncios cheios, espaços densos e cores hipnotizantes
oferecidas em câmara lenta e que através do primor da capacidade do realizador
conseguem reflectir todos os acontecimentos incluindo aqueles que não cabem na narrativa.
Tão comum mas já tão longe
de Drive, é também a orientalidade deste filme que dá-lhe o Tempo, oferece-lhe
o paradoxo, incute o certo brilho sombrio na trajectória suja para o
precipício, a verticalidade da sexualidade incapaz, o complexo maternal e o
valor da família ou a escolha da amputação material para a aquisição dos sentidos.
Only God Forgives é um desafio que não se diz e que nos deixa à margem e simultaneamente
por dentro, livres e entregues às sensações múltiplas e à fórmula que permite o
juízo dos justos e injustos num mundo sem perdão e que
deus parece ter deixado ao abandono.