fevereiro 26, 2013

O método da superação

Quero apenas salientar o que foi porventura a coisa mais previsível dos Óscares: a entrega do prémio de Melhor Actor. Mas esta é uma previsibilidade boa de salientar. O facto de Daniel Day-Lewis ter ganho o prémio a actores que tiveram representações soberbas nos seus filmes realça duas coisas. Em primeiro lugar, que Day-Lewis fez de facto um papel que vai ficar para a história e em segundo lugar é que estamos perante o melhor actor da actualidade e talvez um dos melhores de todos os tempos.
O “método” de Day-Lewis é a forma que ele entende como melhor para estabelecer um compromisso de superação pessoal em função da construção da personagem. E ninguém pode negar o mérito que ele tem em consegui-lo. Neste último filme, Daniel Day-Lewis é Lincoln e não há maneira melhor de parece-lo do que sê-lo de uma forma tão perfeita que nós ficamos a acreditar que Lincoln era assim, daquela forma, como Daniel Day-Lewis foi. É mais do que acreditar até, é saber que Lincoln era assim.
Daniel Day-Lewis é provavelmente o actor que leva mais ao extremo o seu ofício e um sinal disso não é apenas a opção do “método”, como também é o facto de ele trabalhar em poucos filmes o que cria à sua volta uma aura de excepcionalidade e rigor ao contrário de De Niro que embarcou numa febre de filmes medíocres com a entrada no novo século, que nem esta última nomeação disfarça.
O percurso de Daniel Day-Lewis mostra-nos que irá continuar a dar a sua vida pelas personagens em que acredita e que dada a raridade, a sua aparição continuará a ser por si só um evento dentro do cinema.

fevereiro 22, 2013

Quando olhamos bem

É com desconfiança e com estranheza que vemos os Óscares. Nunca acreditamos que os em que acreditamos são dignos de o merecer porque nunca acreditamos que são os melhores que ganham, aliás, nós sabemos que os melhores nunca ganham. No entanto, todos os anos lá fazemos o exercício masoquista de ver ou querer saber dos vencedores. Por vezes até nos damos ao trabalho de entrar no jogo da mediocridade e escolher favoritos de entre os escolhidos para o prémio que tão pouco seriam os nossos. 
Existe com certeza a salvaguarda da subjectividade, da opção do gosto de quem escolhe e decide, mas essa salvaguarda é posta em causa quando se reconhece que o estrelato e este nível de êxito vive muito das teias de interesse, dos lóbis e outros mecanismos mais ou menos duvidosos. O cinéfilo esclarecido sabe disso e tem alturas em que até se orgulha do seu filme por não ter sido escolhido, embora o faça com uma boa dose de revolta.
A verdade é que os Óscares já nos habituaram a um sem número de injustiças, que já justificavam que não levássemos a sério o prémio. Vejamos: no ano de Taxi Driver venceu Rocky, Raging Bull para Ordinary People, Apocalypse Now para Kramer vs Kramer, My Fair Lady em vez de Dr. Strange Love, Saving Private Ryan por Shakespeare in Love ou Citizen Kane que perdeu o prémio de melhor filme para How Green Was My Valley… Hitchcock, Kubrick, Chaplin ou Orson Welles nunca venceram realização ou filme. E actores como Steve McQueen, Marilyn Monroe, Greta Garbo, Marlene Dietrich, Cary Grant, Kirk Douglas ou Richard Burton também nunca ganharam apesar de terem dado corpo a personagens memoráveis.
Perante isto o que dizer? Gostava que ganhasse o Django mas como sei que não vai ganhar pode ser o Argo.

fevereiro 15, 2013

O monstro precisa de amigos

Desde muito cedo o cinema encarregou-se de dar corpo ao lado mais sombrio do imaginário humano através das primeiras personagens dos filmes de terror e pode-se dizer até que foi aí nesse período mais vampírico e fantasmagórico da ficção que se criou o conceito de entretenimento de horror e o franchise. O exemplo mais claro disso foram os vários filmes que se fizeram sobre Frankenstein onde se explorou aquela ideia mística do monstro, da aberração, do não-humano… No início todas essas ideias foram tomadas com toda a seriedade e medo da época, mas também com uma certa ingenuidade, o que foi determinante para produzirem-se os grandes clássicos com os seus actores míticos amaldiçoados por aquelas horríveis personagens.

Já não será tão inocente, a profusão de serial killers mascarados que surgiram a partir dos anos 70 e 80, e respectivas sagas de terror. Halloween, Sexta-feira 13 ou Pesadelo em Elm Street são verdadeiros marcos no cinema de terror porque conseguiram ganhar novos públicos para o terror. Apesar de esconderem a sua identidade, não há nada de misterioso em Michael, Jason ou Freddy, embora Freddy seja um caso diferente, mas que mesmo assim poder-se-á encaixar nesta lógica. Eles assassinam sem piedade e sem gosto ou grande razão aparente.
O regresso de Leatherface vem com uma certeza e assume um compromisso. A certeza é a de que o género está vivo e o compromisso é que a motosserra vai continuar a chacinar por mais uns anos. Mas há mais uma certeza. Como em todos os casos, o excesso de sequelas vai fazer com que a saga caia numa vulgaridade que desgasta o que de marcante e original teve o seu primeiro filme.
O Massacre no Texas de 74 pode agora ser entendido como o primeiro slasher film para as massas, apesar dessa primeira produção ser de baixos recursos. O que esse primeiro filme fez foi pegar em toda a tensão e violência dos filmes exploitation ou b acrescentando uma personagem claramente pensada para aterrorizar, para arranhar os nossos ouvidos por dentro e que, de uma maneira muito retorcida, ser humanizada pela forma com que o assassino toma a vida das suas vítimas, fazendo das suas caras a sua máscara.
Mas na verdade, este terror bruto, com todo o realismo supérfluo e toda essa crueldade previsível, mais não faz do que fazer precipitar o susto simples e despertar o nosso lado mais primitivo e básico, ao contrário do fascínio que emanava daquele primeiro terror de Nosferatu, Drácula ou Frankenstein que, por aos nossos olhos de hoje parecerem autênticos romances líricos, ainda permanecem como a referência insuperável do género enquanto personagem-caricatura de mal.

fevereiro 12, 2013

A exumação de Tarantino


Se lermos a história do cinema, vemos rapidamente que os grandes mestres são aqueles que de alguma forma revolucionaram a sua arte com recurso aos meios que dispunham e ao trabalho do seu próprio génio. Bem sabemos que é cedo para escrever a história que vivemos e que só o tempo fará devida justiça aos actuais, chamemos-lhes, revolucionários. Contudo, há que ultrapassar certos estigmas face ao contemporâneo e apercebermo-nos que a divindade não é exclusiva do preto e branco. O tempo esse também será o melhor conselheiro para fazer a distinção do trigo e do joio.

Mas Tarantino é com certeza um dos casos que ficará para a história. Django Libertado mostra mais uma vez que Tarantino é dos mais vanguardistas cineastas do seu tempo. Apesar de reaproveitar muitos dos clichés de géneros “b” (o que a principio poderia conferir-lhe alguma falta de originalidade), quer no último filme, quer em Sacanas sem Lei, ele não teve medo de pegar na História e reescrevê-la com uma boa dose de surrealismo vendetta, à boa maneira dos clássicos. Por isso, os dois últimos filmes são diferentes do resto. E para além do mais, a verdade é que todo o cinema é fruto de um passado e Tarantino não nega isso e orgulha-se desse passado, homenageando assim o cinema velho fazendo novo cinema de uma forma que está ao alcance de muito poucos. Se em tempos houve um Hitchcock que revolucionou o cinema influenciando daí para a frente todos os géneros, desde o romance, thriller ao terror, Tarantino veio trazer também algo de novo ao cinema. Ele veio reinventar a forma como se contam histórias, através de aprimorado trabalho de actor, construção de personagens e originalidade no argumento.

É verdade que este último filme torna-se ainda mais especial devido ao facto de Tarantino centrar o móbil da acção no contexto da escravatura americana, acontecimento bem real e ainda bem vivo na sociedade americana. Ele sabe que a escravatura é ferida por sarar e porventura ele saberia dos riscos que corria, mas se surgiram criticas sugerindo algum desapego ao sofrimento do povo afro-americano, essas criticas não têm qualquer razão de ser, uma vez que, pelo contrário, e se vermos bem, o herói é o negro e o ignorante é o branco que escravizou o negro num contexto muito particular e muito bruto. E ao longo do filme, há vários detalhes que corroboram esta visão ignorante e labrega do branco. Pegar na brutalidade e na linguagem usada contra o outro para refutar qualquer ideia de que o realizador pretendia denegrir a luta dos negros na américa ou que, pelo excesso de acção sangrenta, o filme poderá representar uma má influência para a sociedade americana, é pura fantasia ruidosa para fazer desviar a atenção daquilo que verdadeiramente importa. E neste ponto, o que importa aqui dizer é que, sem qualquer intenção declarada de politizar ou moralizar a sociedade americana, subtilmente e simultaneamente com muita violência e comédia à mistura e, já agora, muita ficção, ele disse-nos o quão nós somos capazes de ser infames, pois não se pense que a indignidade acabou com a escravatura. E o que importa aqui, e aquilo que no fundo é o mais simples, é que foi feito mais um filme que fica para a história contar.
Tarantino acerta sempre e nós nunca nos esquecemos.

fevereiro 06, 2013

Ainda o coração bate


Há uma beleza que é conferida automaticamente à morte quando vem mais cedo. James Dean foi um actor breve. No entanto, trabalhou com os grandes fazendo filmes duradouros muito por culpa daquele paraíso rebelde do qual ele era dono e que o tornou gigante anunciando algo ainda maior, mas à partida condenado à efemeridade.
No filme, o homem confunde-se com a personagem ou a personagem é que se mistura com o homem. Um e outro são o mesmo e Dean sabia-o. Dean sabia-o e não podia ser de outra forma. Tinha de deixar-se levar, tinha de representar até ao fim e ser o primeiro verdadeiro actor a ter em si a fúria que os bons precisam para saber morrer.