Mamã poderia ter tudo para se assumir como um dos grandes filmes de terror dos últimos tempos, não fosse ter por voltas do meio do filme embarcado num enfabulado caminho sem retorno ao jeito do mais puro fauno do seu produtor del Toro. Mas o problema é que o pressuposto deste filme não é o d’O Labirinto do Fauno, esse sim um filme que cumpre aquilo a que se propõe. Se a principio estamos perante uma história com um ambicioso potencial de terror assente na perturbação psíquica de quem sofre anos de isolamento do mundo exterior, a partir do momento em que essa atormentada experiência toma a forma de uma misticidade básica sem limbo e sem susto ou profundidade, então aqui termina o tal pretenso filme de horror e começa mais uma daquelas fitas em que o único impacto a que se permite é o de embalar as mais radicais crianças. Esta espécie de disney negra não serve os amantes do terror, aqueles exigentes e que anseiam por coisas novas e que não se deixam levar por finais que puxam ao mais linear dos sentimentos mesmo que esse fim não seja marcado pela felicidade.
abril 30, 2013
Mamã e chora
Mamã poderia ter tudo para se assumir como um dos grandes filmes de terror dos últimos tempos, não fosse ter por voltas do meio do filme embarcado num enfabulado caminho sem retorno ao jeito do mais puro fauno do seu produtor del Toro. Mas o problema é que o pressuposto deste filme não é o d’O Labirinto do Fauno, esse sim um filme que cumpre aquilo a que se propõe. Se a principio estamos perante uma história com um ambicioso potencial de terror assente na perturbação psíquica de quem sofre anos de isolamento do mundo exterior, a partir do momento em que essa atormentada experiência toma a forma de uma misticidade básica sem limbo e sem susto ou profundidade, então aqui termina o tal pretenso filme de horror e começa mais uma daquelas fitas em que o único impacto a que se permite é o de embalar as mais radicais crianças. Esta espécie de disney negra não serve os amantes do terror, aqueles exigentes e que anseiam por coisas novas e que não se deixam levar por finais que puxam ao mais linear dos sentimentos mesmo que esse fim não seja marcado pela felicidade.
abril 18, 2013
Infames flamingos
Andei por dias
deambulando por lugares grotescos de mau gosto e perversão mórbida tomada a
boas doses de chocante cinema. Vários exemplos e diversos caminhos podem
mostrar o êxito da provocação de baixo custo mas que invariavelmente atingem
até os mais insensíveis olhos lesando aquilo que são todos os sentidos. Ora o
sentido destas pérolas de pérfida infâmia resulta apenas no da exploração da
decadência num exercício mais-que-concreto dos mais absurdos instintos da
imaginação humana. O cinema-lixo, porventura o verdadeiro cinema do real,
reveste-se da mais vulgar vulgaridade mostrando-nos não graciosas personas as
quais a obscenidade com orgulho dizem ser delas para o mundo, invocando títulos
tal como o The Filthiest Person Alive, como mostrou John Waters numa dessas
fábulas do atrelado culto mal cheiroso americano.
Poderá ser possível tentar entender o fenómeno de Pink Flamingos à luz de uma qualquer razão lógica, contudo todo esse processo intelectual esbarra na realidade do filme e naquilo que é a prática de uma loucura sem nexo, mas que no entanto só estaria ao alcance de ser concretizada num país em pleno conflito social ressacado do amor livre e mergulhado numa guerra perdida do outro lado do mundo. À luz de uma explicação mais ou menos lógica, podemos mesmo concluir que lady Divine e todos aqueles doentes e acrobatas da repugnância que protagonizam o filme são como que filhos de Nixon, ele próprio a personificação do falhanço da responsabilidade e da decência.
Nada mais a acrescentar.
Poderá ser possível tentar entender o fenómeno de Pink Flamingos à luz de uma qualquer razão lógica, contudo todo esse processo intelectual esbarra na realidade do filme e naquilo que é a prática de uma loucura sem nexo, mas que no entanto só estaria ao alcance de ser concretizada num país em pleno conflito social ressacado do amor livre e mergulhado numa guerra perdida do outro lado do mundo. À luz de uma explicação mais ou menos lógica, podemos mesmo concluir que lady Divine e todos aqueles doentes e acrobatas da repugnância que protagonizam o filme são como que filhos de Nixon, ele próprio a personificação do falhanço da responsabilidade e da decência.
Nada mais a acrescentar.
abril 10, 2013
As sombras do lobo mau
O cinema vive muito da história que é contada mas também da forma como é contada e mostrada, pelo que confesso que a dimensão visual de um filme, não sendo por si isoladamente um factor de revelação, é um factor muito importante na minha análise e gosto. Não é por si esse factor revelador da excelência que posso ou não atribuir a um filme uma vez que já vi grandes filmes sem prevalência nesse trabalho visual, mas que não deixam por isso de ser grandes filmes. Mas se a composição visual é bem engajada no filme então esta característica ganha um outro destaque e o filme com isso ganha na consideração que faço.
Com certeza que o ciclo noir americano atingiu a notoriedade que ainda hoje é reconhecida pelos imensos seguidores do cinema muito à custa da sua visualidade. Se caracterizarmos o género noir, este aspecto visual entra com todo o propósito em conjunto com outras características transversais, como por exemplo a femme fatale. Mas o que fez o noir foi a imagem, muito mais do que a história em si. Claro que se a narrativa não valer nada, de nada vale uma boa fotografia, mas há que reconhecer que foi o estilo da imagem que deu a identidade.
O filme A Sombra do Caçador (A Night of the Hunter, 1955) merece aqui a referência. Não sendo tipicamente noir no que respeita ao tema ou à forma como é contextualizada a trama, muito dele é escuro oferecendo dos melhores contrastes e composições fotográficas que se fizeram na altura. É que apesar de haver aqui uma certa deriva em relação àquilo que se pode considerar o mainstream da forma explorada no período mais áureo do noir, o facto de se conseguir transportar toda esta carga visual para uma história que bem se podia mostrar às crianças, ainda destaca mais o poder desta característica que torna-se, neste caso, e na simbiose com aquilo que conta, um facto que torna este filme como um dos melhores e mais singulares do género.
abril 04, 2013
A sede do mal ou o toque do diabo
Aos 26 anos Orson
Welles realizou o seu primeiro filme que foi o seu legado, Citizen Kane. Tamanho
êxito anunciava uma carreira brilhante, mas como é óbvio terá sido difícil
acompanhar o grande sucesso. Poderá até haver quem diga que este filme
amaldiçoou de certa maneira a sua carreira, um pouco à semelhança daquelas
bandas one-hit wonder em que lançam um par de temas e que depois desaparecem.
Mas não foi este o caso. Welles não desapareceu e, reconhecendo mesmo que ao
longo da sua carreira possamos não encontrar grandes êxitos à dimensão de
Citizen Kane, ele continuou a realizar e a interpretar em grande estilo.
O plano que trago é
do filme Touch of Evil de 1958 que terá sido provavelmente o último grande
filme noir da História. Considerando que é de facto um excelente filme, há uma
coisa que desde cedo me atraiu nele e que é provavelmente a razão pela qual
gosto tanto do filme: nem mais do que aquela personagem interpretada por Orson Welles.
Mal vi Welles na pele daquele polícia alcoólico, velho, gordo e manco, a fumar charuto
e a encher a boca de chocolates disse que estava ali um dos seus papéis mais
emblemáticos. Há uma dimensão camaleónica em Welles que é impar e que, sempre à
sombra de Citizen Kane, não é justamente valorizada. Pois na minha opinião, o
que distinguiu Welles de outros actores seus contemporâneos foi essa sua muito
própria capacidade de se transformar, foi a forma como ele conseguiu
estabelecer uma química com o espectador através da sua presença física e pela
intensidade e credibilidade que dava à personagem.
Subscrever:
Mensagens (Atom)