Na sala grande a meia sala estava pronta. A cinemateca de Lisboa feita máquina do tempo mostra na fita já meio estragada o grande filme que o grande ecrã faz ainda maior. No começo, se não o conhecesse e se fechasse os olhos diria que estava perante um filme de ficção científica, uma coisa de outra dimensão, e o engraçado é que até faz sentido entender-se este filme desta forma. Mas eu conheço muito bem aqueles acordes iniciais e eu tenho os olhos bem abertos para ser confrontado com aquelas cores que abrem Laranja Mecânica seguidas do olhar furioso e desafiante de Alex enquanto bebe o leite e se apresenta. Prepara-nos para a ultraviolência, para a sua história e para a verdade de uma realidade que, no fim de contas, não é assim tão bizarra quanto parece.
É de forma brilhante que começa esta obra-prima de
Stanley Kubrick e daqui para a frente cada detalhe é pensado e feito em função
de uma ultradimensão acompanhada pelo grande Ludwig van através das mais
variadas sintetizações executadas por Carlos. Há toda uma consciência estética
em Kubrick que não vejo igual em nenhum outro realizador e que resulta num
autêntico elogio à arte. E esta estética de substância agressiva e provocatória
está presente em todos os sentidos. Vemo-la na caracterização insólita dos
cenários, na descrição das situações e no desenvolvimento das personagens, na
utilização dos elementos irónicos, cómicos e dramáticos na linguagem e na forma
como se encaixam os planos e a própria narrativa proposta no livro de Burgess e
que deriva para uma questão relevante. Se por um lado apresenta a
ideia de que o ser humano não deve ser tratado como uma máquina e que não se
lhe deve ser negada a capacidade de escolha, por outro lado, é o Alex de
Kubrick que, em todo o seu esplendor, diz-nos que essa liberdade pode não se
compatibilizar com a sociabilidade na comunidade e até, em último caso, pode pôr
em causa toda uma estrutura de sociedade.
No grande final, a cura dá-se como por milagre sob a forma pura da nona, numa iluminação feroz que devolve a vitória ao vilão e que remete para a inevitabilidade do pecado ou a derradeira glória do homem livre tornada espectáculo.
No grande final, a cura dá-se como por milagre sob a forma pura da nona, numa iluminação feroz que devolve a vitória ao vilão e que remete para a inevitabilidade do pecado ou a derradeira glória do homem livre tornada espectáculo.
Levei dias a pensar sobre o que faz de um filme perfeito
ou o melhor de todos os tempos. E bem, fazemo-lo cada um de nós. Dizer que Laranja
Mecânica é o melhor filme de sempre é uma provocação, mas é a minha perfeita
provocação.
E que bom que é podermos usar o nosso livre arbítrio para nos darmos ao luxo de tal provocação! Depreendo por este artigo que foi uma boa experiência vê-lo no grande ecrã. O filme é genial em todos os sentidos e consegue ser bastante contemporâneo no tema que explora.
ResponderEliminarO Kubrick é um autêntico mestre. Concordo quando referes o elogio à arte. Nota-se na composição dos seus planos, elevados conhecimentos de fotografia e pintura. Cada plano seu acaba por ser um majestoso quadro. Já agora, já viste o 2001? Costumo andar sempre à deriva quando tento nomear o melhor filme do Kubrick (entre os que vi claro), sempre indeciso entre o 2001 e o Laranja Mecânica.
Cumprimentos,
Rafael Santos
Já vi os filmes todos do Kubrick (também não são muitos ) e tenho como os melhores dele, este, o 2001 e o Shining, mas prefiro não entrar na discussão de qual é o melhor porque são diferentes e são excelentes à sua maneira :)
EliminarUm abraço Rafael,
Por acaso estive lá. Sou cliente habitual da cinemateca :)
ResponderEliminarÉ uma obra marcante e que infelizmente foi posteriormente consagrada pelo seu valor. É mais um exemplo de filme de culto, que conseguiu alcançar o seu devido valor.
ResponderEliminarcumprimentos,
cinemaschallenge.com
Uma excelente provocação, não só a tua, mas todo o filme o é, e talvez seja isso que faz dele único. Poucos filmes conseguem provocar-nos tão eficazmente.
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